Migrações climáticas

O cenário é dramático. Na metade do atual século milhões de pessoas poderão estar fugindo de mares que se elevam, de secas ou enchentes devastadoras e de outros desastres naturais, em busca de locais mais seguros onde possam sobreviver.

Seria o maior processo migratório na história. O culpado? As mudanças climáticas globais. O mais preocupante é que tal panorama não está em um livro ou filme apocalíptico, mas sim em um documento produzido por cientistas ligados à Organização das Nações Unidas e à Universidade de Colúmbia, nos Estados Unidos, entre outras instituições.

Divulgado no dia 10, em conferência em Bonn, na Alemanha, o relatório In search of shelter – Mapping the effects of climate change on human migration and displacement, disponível na internet, destaca que o processo migratório já começou.

Os autores do estudo ressaltam que é difícil separar os efeitos do clima de outros fatores que estimulam o deslocamento populacional, como conflitos políticos, crises econômicas, crescimento populacional, destruição de ecossistemas e esgotamento de áreas cultiváveis.

Entretanto, segundo eles, as mudanças climáticas eventualmente terão um papel dominante ao ampliar todos os demais fatores. O relatório estima que o total de pessoas envolvidas nas migrações estimuladas pelas mudanças climáticas poderá pular de 50 milhões em 2010 para cerca de 700 milhões em 2050.

“O clima é o invólucro no qual todos nós vivemos nossas vidas. O relatório dispara a sirene de alarme. Geralmente categorizamos os pobres como aqueles que sofrerão mais, mas as sociedades mais ricas também perderão muito”, disse Alexander de Sherbinin, da Universidade de Colúmbia, um dos autores do trabalho.

O relatório é baseado em um levantamento global e inédito a respeito de migrações e de mudanças ambientais. Apresenta uma série de mapas detalhados que mostram como e onde podem estar as áreas com maior risco de serem atingidas.

Entre os destaques do documento está que a falência de economias baseadas em ecossistemas, incluindo pesca, pecuária e agricultura de subsistência, será o principal fator para a migração forçada.

Outro ponto é que as mudanças climáticas deverão aumentar a frequência e a intensidade de desastres naturais, como ciclones, enchentes ou secas. A quantidade de chuvas em parte da América Central poderá cair pela metade até 2080. Agricultores no México e no norte da África já estariam deixando suas propriedades por conta das alterações nos padrões de precipitação.

O relatório aponta que o aumento no nível do mar ameaça diretamente a existência de pelo menos 40 países. A intrusão da água salgada, alagamentos e erosão poderão destruir a agricultura nas regiões densamente povoadas dos deltas de alguns dos principais rios do planeta, como o Nilo, Mekong e Ganges.

Uma elevação de dois metros, que está dentro de algumas projeções para este século, inundaria metade dos 3 milhões de hectares cultiváveis às margens do Mekong, no Sudeste Asiático. Algumas nações em ilhas do Pacífico, como as Maldivas, com cerca de 300 mil habitantes, começam a considerar planos de relocação.

Acordo sobre emissões

Os migrantes se deslocarão fundamentalmente dentro do próprio país ou para países vizinhos. Conflitos parecem ser uma consequência inevitável. “As sociedades afetadas pelas mudanças climáticas poderão ficar presas em um movimento sem volta de degradação ecológica, rumo ao fundo no qual as redes sociais entrarão em colapso, com tensões e aumento da violência. Nesse cenário, grandes populações se verão forçadas a migrar como única alternativa de sobrevivência imediata”, disse Charles Ehrhart, outro autor do estudo.

Sherbinin lembra que a estimativa é que a população mundial passe dos atuais 6,8 bilhões de habitantes para 9 bilhões em 2050. “Os países estão ficando sem locais para alocar pessoas produtivamente”, disse.

Os autores do estudo destacam que é fundamental que os países cheguem a um acordo para diminuir a emissão de gases que estimulam o efeito estufa na Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas que será realizada em Copenhague, na Dinamarca, de 7 a 18 de dezembro.

Mas, mesmo que um acordo seja conseguido – e que as emissões diminuam efetivamente –, os autores do relatório ressaltam que não isso não ocorrerá a tempo de evitar todas as migrações. Por conta disso, recomendam que os países priorizem as populações mais vulneráveis e invistam em medidas defensivas, como desenvolvimento de tecnologias de irrigação que usem menos água, diversificação econômica e sistemas nacionais de gerenciamento de desastres naturais.

“Novas maneiras de pensar e abordagens práticas são necessárias de modo a enfrentar as ameaças que a migração relacionada ao clima apresentam à segurança e ao bem-estar da humanidade”, disse Koko Warner, chefe do Instituto para Segurança Humana e Ambiental da Universidade das Nações Unidas e principal autora do relatório.

O relatório In search of shelter pode ser baixado em http://www.ciesin.columbia.edu/documents/clim-migr-report-june09_final.pdf.

FPN-SP-BR

‘Catastrofes naturais’

Mais de 300 catástrofes naturais fizeram, durante o ano passado, 236 mortos e afectaram mais de 200 milhões de pessoas. Estes números foram apresentados hoje no Bahrein pelo secretário-geral das Nações Unidas ao apresentar um novo relatório. Ban Ki-moon apelou aos Governos para fazerem mais e salvarem milhões de vidas.

O relatório “Redução dos riscos de catástrofe: balanço mundial 2009”, o primeiro do género produzido pela ONU, sublinha que as alterações climáticas, a degradação do Ambiente e a urbanização anárquica arriscam-se a afectar as populações de todo o mundo.

O documento adverte que milhões de vidas estão em perigo a menos que “sejam atacados os factores de risco”.

“Cada país tem a capacidade e o dever de redobrar os esforços para responder a este apelo, para prevenir as catástrofes naturais e atenuar os seus efeitos”, declarou Ban Ki-moon. Este pode ser um dos melhores investimentos que um país pode fazer, considerou.

“Convido hoje os chefes de Governo e os dirigentes políticos do mundo inteiro a investirem na redução dos riscos ligados às catástrofes naturais”, acrescentou.

No seu discurso, Ban Ki-moon salientou que “a Ásia foi particularmente afectada”, precisando que “nove dos dez países onde as catástrofes causaram perdas mais pesadas em vidas humanas encontram-se no continente asiático”.

“Todos nós sabemos que os pobres e os países em desenvolvimento são aqueles que mais sofrem com as catástrofes”, comentou, referindo-se, nomeadamente, ao Bangladesh, China e Índia.

No que concerne ao Médio Oriente, Ban Ki-moon salientou que “os países do Golfo foram, até agora poupados às catástrofes. Mas a subida do nível das águas ameaça o Bahrein, Egipto e o Djibuti”. Um número razoável de outros países árabes são afligidos por sismos e pela seca.

Resumindo o relatório, Ban considerou que preconiza, nomeadamente, “a necessidade que temos de reorientar o pensamento sobre o desenvolvimento, que deverá olhar para a capacidade de adaptação e para as medidas preventivas”.

“A redução dos riscos ligados às catástrofes pode ajudar os países a lutar contra a pobreza, a preservar o seu desenvolvimento e a adaptar-se às alterações climáticas. Este progresso pode trazer mais segurança, estabilidade e viabilidade para o nosso planeta”, concluiu.

Pesquisa: FPN-SP-BR

http://ultimahora.publico.clix.pt/noticia.aspx?id=1381137